quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Capítulo 11 - Correspondências - Parte 1

Fazem seis meses, sete dias, nove horas e segundos intermináveis desde a última vez que vi o Ian.
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Querido Ian,
Amei receber notícias suas e saber que o curso era realmente o que esperava. De fato deve ser bastante puxado, fazer Direito em uma das melhores universidades do Brasil imagino que seja um tanto quanto exigente, mas você é inteligente, vai se dar bem.
Ao contrário do que muitos dizem, morar sozinha e ainda em um país diferente não é a melhor das experiências, não que eu esteja reclamando, quer dizer, o pessoal aqui é legal mas, não tem aquele calor humano que os brasileiros tem, sabe? 
Bom, a parte dos estudos está incrível! Poder cursar medicina em Harvard é algo surreal e apesar do meu inglês ser bom, as vezes me pego perdida em uma aula ou outra por causa de tantos termos técnicos. Os estudantes do quarto ano estão desenvolvendo um estudo para pessoas com paraplegia e me convidaram para fazer um experimento, não é incrível?
A ideia de poder voltar a andar é algo que me encanta, confesso. Nunca falamos sobre isso e na verdade não tenho muitos problemas em aceitar minha deficiência, na verdade, as pessoas à minha volta é que parecem ter. E sim, aqui o preconceito é enfático comparado ao Brasil, o que é um dos grandes motivos de eu não achar a vida estrangeira lá essas coisas. Acho que tudo bem no meu caso porque, eu não ando desde sempre, entende? Mas se lembra daquele grupo de apoio que meus pais me fizeram frequentar por um tempo? Eu ouvia algumas histórias de pessoas que tiveram bastante dificuldade para lidar com suas condições, sei lá, fico olhando para a minha vida eu me sinto abençoada, porque, normalmente as pessoas são cruéis com nós deficientes. Não que eu seja imune ao preconceito, eu convivo com isso desde sempre, uma simples ignorada que alguém pratica na rua, mesmo me vendo tendo alguma dificuldade, já demonstra que a indiferença é real. Claro que existem pessoas que querem ajudar, mas tem receio de serem interpretadas mal, graças àqueles que não querem, ou não sabem lidar com um mínimo de dependência que a sua condição exija. Mas sei lá, todo mundo é limitado, deficiente ou não. Pessoas precisam de pessoas, bom, isso é o que eu acho.
Teve uma história que jamais esqueci, era de uma mulher, o nome dela era Maria Clara, ela deve ter uns trinta e cinco anos hoje em dia, mas na época devia ter pouco mais de vinte e cinco. O carro que ela dirigia capotou cinco vezes antes de parar no acostamento, uma amiga que estava sentada no banco traseiro fora arremessada para fora do carro e morreu na hora. A outra colega, sentada no banco do passageiro, teve apenas algumas escoriações e foi quem quem fez os primeiros socorros e ligou para a emergência, Maria Clara teve traumatismo craniano, fraturou costelas, a perna esquerda, perfurou os pulmões, mas milagrosamente sobreviveu. Infelizmente, a pancada na cabeça atingiu uma parte responsável pela visão e a Maria, apesar de inúmeras cirurgias, nunca mais voltou a ver outra vez a luz do dia.
A vida não é incrível? Olha a trajetória numa mesma cena com três pessoas diferentes.
Se formos parar pra tentar entendê-la, vamos deixar de vivê-la.
E sim, está sendo muito difícil sem você, minha melhor companhia.
Com amor,
Beca.

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